Anauê Barriga Verde: o integralismo em Canoinhas


  • 10 de Julho de 2020

Em 1934, em uma reunião realizada no Restaurante Guarani, ocorreu a fundação de um núcleo da Ação Integralista Brasileira em Canoinhas

 

 

 

Quinta-feira, 4 de julho de 1935. Por volta das 23 horas, um evento rompeu a tranquilidade da fria noite de inverno em Canoinhas. Um grupo composto por cinco homens andava pela vila fixando cartazes nos postes de iluminação pública e nas casas de comércio. Eram eles: Cid Vieira, Francisco Beirão da Silva, Guaraci César de Mello, Juventino Jungles e Telêmaco Cordeiro. Um dos locais visitados por eles foi a casa comercial de Frederico Kohler, localizada na esquina das ruas Eugênio de Souza e Coronel Albuquerque, onde fixaram alguns cartazes.

 

Logo em seguida, Afonso Voigt e Henrique Marzal aproximaram-se do local e arrancaram os referidos cartazes. Eles se dirigiram para o moinho de propriedade de Gustavo Schroeder Sobrinho, também localizado na rua Eugênio de Souza, ao lado da linha da estrada de ferro. Os dois grupos se encontraram em frente ao moinho. Imediatamente começou uma ríspida discussão acerca dos cartazes arrancados, seguida por um cerrado tiroteio, com projéteis de diferentes calibres rasgando a escuridão. Segundo os autos do processo, Afonso e Henrique abriram fogo contra os cinco homens, enquanto da parte superior do moinho, Gustavo Schroeder Sobrinho e Luiz Tack também descarregaram suas armas sobre o grupo. Não houve chance de reação.

 

 

 

Moinho de propriedade de Gustavo Schroeder Sobrinho, onde Cid Vieira e Juventino Jungles foram alvejados. Imagem de acervo pessoal e gentilmente cedida pelo historiador Fernando Tokarski

 

 

O levantamento realizado pelos homens da força pública estimou que foram deflagrados algo entre trinta e quarenta tiros. Muitos moradores foram até o local do crime. Cid Vieira estava caído ao lado do moinho, com um tiro no rosto que atravessou seu crânio. Morte instantânea. Outra vítima, Juventino Jungles, alvejado por quatro tiros, foi levado para sua casa, mas faleceu logo depois. Ele deixou esposa e dois filhos pequenos. Os outros integrantes do grupo tiveram ferimentos sem gravidade e conseguiram escapar com vida da emboscada.

 

 

 

O que motivou esse crime bárbaro?

 

 

 

 

A extrema-direita quer conquistar o mundo!

O período compreendido entre o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e o início da Segunda (1939-1945) foi marcado por profundas transformações políticas e sociais em todo o mundo. Nesse contexto, pode-se destacar a ascensão dos Estados Unidos da América à condição de superpotência. No entanto, a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, resultou em um processo de decadência econômica global, contribuindo, inclusive, para a ascensão de regimes totalitários na Europa, principalmente o Nazismo, na Alemanha. A ideologia de extrema direita, presente em países como Alemanha e Itália, ecoava em outras nações.

 

 

 

 

Em território brasileiro, a divisão política se expressou por meio do surgimento de dois movimentos de massa: A Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB). A Aliança Nacional Libertadora (ANL) era um movimento heterogêneo, mas cujo ideário reunia temas relacionados com a justiça social e a liberdade política. Sua principal liderança era Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, ex-capitão do exército, destacada figura da esquerda brasileira ao longo de boa parte do século XX.

 

 

Luiz Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperança. Imagem da internet

 

 

 

Por outro lado, a Ação Integralista Brasileira (AIB), de orientação fascista, foi fundada em 07 de outubro de 1932, com o lançamento do “Manifesto de Outubro”, sob a liderança de Plínio Salgado. Atuou até fins de 1937, um ano após o golpe do Estado Novo, deflagrado por Getúlio Vargas, que colocou os partidos políticos na ilegalidade. Em sua ideologia, organização e ação política, o integralismo assemelhava-se ideologicamente aos movimentos e partidos fascistas europeus que surgiram entre o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão do nazismo na Alemanha, em 1933.

 

 

 

A AIB, assim como o fascismo italiano e o nazismo alemão, propunha a existência de um partido único e forte, com hierarquia rígida e culto ao líder, cujos objetivos eram o nacionalismo extremado, culto dos valores morais, controle estatal absoluto no plano social, econômico e político, e, principalmente, extermínio do comunismo e liberalismo. Isso fez com que a AIB ganhasse o apoio dos defensores do autoritarismo.

 

 

 

 

Lembrança do I Congresso Integralista das Províncias do Sul. Blumenau, 1935. Note-se a imagem de Plínio Salgado. (ZANELATTO, 2012, p. 87)

 

 

 

 

 

Os integralistas em Santa Catarina

Em Santa Catarina, o integralismo começou a ser organizado a partir de 1934. Seu crescimento ocorreu rapidamente, em especial nas zonas de colonização alemã e italiana no Vale do Itajaí e norte do estado, tornando-se uma das principais alternativas de oposição frente aos grupos políticos que estavam no poder.

 

 

As razões para a popularidade do integralismo em Santa Catarina são distintas e transcendem a simples associação étnica. É possível elencar questões mais complexas, como a especificidade da política regional e a ascensão econômica dos descendentes de imigrantes europeus, em especial os alemães situados no Vale do Itajaí e norte do estado. Outro elemento explicativo demonstra que o integralismo surgiu como uma alternativa para as populações de origem germânica se integrarem ativamente na política brasileira. Com maior ou menor expressão, a AIB se organizou em cerca de quarenta municípios catarinenses, entre os quais figuravam Mafra, Porto União e Canoinhas.

 

 

 

 

Os cinco homens que fixavam cartazes em Canoinhas na noite do crime integravam a Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou seja, eram considerados inimigos do integralismo. As duas vítimas fatais eram Cid Vieira e Juventino Jungles. Vieira era fiscal do Ministério do Trabalho e estava na região desde o ano anterior para realizar a instalação do Sindicato dos Operários da Lumber. A segunda vítima fatal era Juventino Jungles, operário. Além de funcionário público federal, Cid Vieira era irmão de Rogério Vieira, que havia sido prefeito de São Francisco do Sul em 1931 e que cinco semanas após o crime assumiria a cadeira de deputado estadual (1935-1937). Rogério ainda seria deputado federal entre 1947 e 1951. A origem familiar da vítima parece ter contribuído para a celeridade da investigação.

 

 

 

 

Os acusados pelo duplo homicídio eram membros do movimento integralista de Canoinhas.

 

 

 

 

 

O integralismo em Canoinhas

No dia 30 de setembro de 1934, em uma reunião realizada no Restaurante Guarani, ocorreu a fundação de um núcleo da Ação Integralista Brasileira (AIB) em Canoinhas. A presença significativa de descendentes de imigrantes alemães, compondo uma classe média urbana, viabilizou a disseminação do integralismo. Apesar do movimento, teoricamente, não apoiar o racismo e propor “a união de todas as raças”, na prática, o integralismo congregou inúmeros elementos que apoiavam ideias de supremacia racial, mesmo que veladamente.

 

 

 

O núcleo integralista canoinhense localizava-se na atual Rua Frei Menandro Kamps, próximo à Igreja Matriz Cristo Rei. Os desfiles dos membros do núcleo ocorriam na praça Lauro Muller, quando todos utilizavam o conhecido uniforme verde e empregavam a tradicional saudação “anauê”.

 

 

 

Os principais integrantes do movimento integralista em Canoinhas eram: Luiz Tack, comerciante; Frederico Kohler, comerciante; Alfredo Mayer, comerciante; Gustavo Schroeder Sobrinho, comerciante; Henrique Marzall, padeiro; Afonso Voigt, comerciário; Fernando Weger, comerciante; Jacó Fuck, comerciante; Paulo Fischer, comerciante; João Reinert, agricultor; Alfredo Stulzer, empregado na Casa de Comércio dos irmãos Fuck; Fritz Kohler, comerciante (CONCEIÇÃO, 2015, p. 147).

 

 

 

 

 

Os integralistas canoinhenses agiam livremente até meados de 1935, quando ocorreu o duplo homicídio de Vieira e Jungles. O crime revelou a radicalização política em nível municipal e que os integralistas estavam dispostos a tudo em prol da defesa da camisa verde.

 

 

 

 

 

FANÁTICOS E IMPUNES!

O despacho de pronúncia proferido na data de 31 de outubro de 1935, pelo juiz de direito Dr. Oscar Leitão, publicado na edição n.º 224 do jornal Avante, em 10 de novembro de 1935 apontou que o “(…) ataque, anteriormente combinado, à mão armada, de muitos agressores, contra pessoas inertes que não resistem, nada tem de semelhante à rixa, é verdadeira agressão. Em tal caso pouco importa que não se tenha podido precisar quem deu o golpe que produziu a morte ou ferimento: todos são coautores, pois, aos atos de execução prestarem-se recíproca assistência, induzidos pela mesma intenção criminosa. (…) concluindo-se, pelas circunstâncias, que rodearam o crime e pelos indícios evidentes do inquérito, que foram os denunciados os autores materiais dos delitos de que falam estes autos”.

 

 

 

Apesar de não ter sido possível precisar qual dos quatro acusados desferiu os tiros que produziram a morte de Cid Vieira e Juventino Jungles, todos foram responsabilizados como coautores. A denúncia foi julgada procedente e, portanto, os réus foram pronunciados. Os réus foram presos após a pronúncia e conduzidos à prisão de Joinville, exceto Luiz Tack, que fugiu da cidade. Posteriormente, mediante habeas corpus, o grupo foi solto e aguardou o julgamento em liberdade.

 

 

 

 

 

Em dezembro de 1935, foi realizado pedido de desaforamento do processo-crime em razão do receio de perturbação da ordem por parte dos integralistas, que se dispunham a qualquer coisa para a defesa e apoio de seus companheiros. O processo, dessa forma, foi remetido à comarca de Mafra para julgamento.

 

 

 

 

A origem étnica e o status socioeconômico dos acusados foram decisivos para que fossem absolvidos.

 

 

 

 

 

As palavras do juiz de direito da Comarca apontam para o fanatismo dos membros do movimento: “esses fatos vêm demonstrar à sociedade que os denunciados se achavam dispostos a todo sacrifício em defesa de seu credo político e por ele se achavam fanatizados” (Avante! Canoinhas, 10 de novembro de 1935).

 

 

 

 

 

Ainda em julho, foi expedida a portaria estadual n. 147 pelo Chefe de Polícia Claribalte Galvão, proibindo encontros de caráter político sem a prévia autorização da polícia, bem como vedando a utilização de uniformes, agrupamentos, desfiles e caravanas da AIB, nos termos da Lei de Segurança Nacional.

 

 

 

 

Entretanto, no mês de setembro – apenas dois meses após o homicídio de Cid Vieira e Juventino Jungles – os integralistas demonstraram resistência às ordens da polícia. Ao terminar a primeira parte do programa de festa de 7 de setembro, pelas 11h30min, apareceu na praça Lauro Muller a milícia integralista local uniformizada, em formatura militar e pronta para desfilar.

 

 

 

 

O desafio às ordens para que encerrassem os eventos públicos, demonstra o perigo que o movimento representava para a ordem. Cada vez mais críticas eram dirigidas ao integralismo em Canoinhas, sob o argumento de que se tratava de movimento extremista, cópia do fascismo e nazismo europeus.

 

 

 

 

 

O INTEGRALISMO NA ILEGALIDADE

Ao final do ano de 1937, como resultado do golpe de estado deflagrado por Getúlio Vargas, que instituiu o Estado Novo, os partidos políticos, incluindo a AIB, foram colocados na ilegalidade. O uso do sigma, dos uniformes, das bandeiras e dos gestos foi proibido. Houve, assim, o fechamento do núcleo local da AIB.

 

 

 

 

Após a queda da AIB, os integralistas canoinhenses que permaneceram na política filiaram-se ao Partido Social Democrático (PSD).

 

 

 

 

 

RADICALIZAÇÃO E VIOLÊNCIA: “ENTRE O ONTEM E O AMANHÔ

Um excerto de notícia publicada no jornal Avante, em 10 de julho de 1935, expõe algumas permanências entre aqueles tristes eventos e os dias atuais. Ao citar o crime político que ceifou duas vidas, o autor da notícia afirma: “Foi esta a demonstração de força do integralismo em Canoinhas. Cumpre às autoridades policiais acompanhar os passos dos elementos integralistas para evitar novos assassinatos, pois que tais elementos dizem seus inimigos todos aqueles que não os acompanharem. E declarando seus inimigos taxam os não integralistas – de comunistas”.