PANDEMIA, ESTADO E EUGENIA
- 29 de Junho de 2020
O contexto pandêmico nos instiga a refletir sobre uma série de aspectos que envolvem a sociedade contemporânea. Nesta direção, o que pretendemos abordar aqui se volta para expressões da questão social, que se apresenta em todas as suas contradições e paradoxos.
Nesta conjuntura, talvez a pobreza nua e crua, expressada pelo sofrimento cotidiano de seres humanos desprovidos de um teto, da possibilidade de fazer refeições suficientes ao longo de um dia, de possuir roupa e calçados adequados, de acesso a saneamento básico se torne evidente aos olhos dos indivíduos incrédulos, indiferentes e, sobretudo preconceituosos em relação a condição social de milhões de brasileiros.
E por que direcionarmos nossa atenção para esta parcela da população? O que necessitamos compreender adequadamente é o que permeia toda esta realidade que está imbricada no modelo econômico, estruturante das relações entre capital e trabalho, constitutivos da sociedade brasileira e que se denomina de capitalista. Porém, quando observamos as sociedades europeias, norte-americana, canadense, entre outras constatamos que o capitalismo vigente naquelas sociedades é diametralmente diferente do capitalismo que viceja nestas terras.
Se nos países da Europa constatamos um capitalismo afeito ao bem-estar social de sua população, aqui estamos diante de um capitalismo selvagem que promove a exclusão de parcelas significativas da população como forma de manter a dinâmica de concentração de renda e, de riqueza nas mãos de minorias sociais.
Neste sentido, quando direcionamos nossas reflexões à Constituição de 1988, intitulada de “Cidadã”, percebemos o papel que o Estado deve desempenhar para que as consequências desta exclusão as quais conceituamos como expressões da questão social, sejam de alguma forma amenizadas através das políticas públicas. Mas, o que estamos vivenciando, apresenta-se como resultado de um caminho controverso, assumido a partir da aprovação da Emenda Constitucional 95, a qual preconiza o congelamento dos gastos públicos direcionados às políticas públicas, corroborando assim para um cenário de empobrecimento de setores significativos da sociedade brasileira.
Nesta direção, a condição pandêmica em curso está afetando os mais vulneráveis socioeconomicamente. O meio pelo qual se inserem no mercado de trabalho é o informal. Muitos vivem de coleta de materiais recicláveis, para qual é necessário estar na rua, do trabalho doméstico, ou como auxiliares da construção civil dentre outras formas de trabalho. Enfim, são serviços que não se enquadram como essenciais e que o contratante pode a qualquer momento suspender. Sob tais condições, estes são os que estão, de alguma forma inseridos no mercado de trabalho, sob uma ótica da economia popular. Mas, os que já estavam e continuam fora deste cenário produtivo? Como sobrevivem?
É neste contexto de precarização da vida individual e social que podemos compreender os auxílios pautados no modelo keynesianista como o auxílio emergencial, dentre outros também implantados pelos estados brasileiros, estão de alguma maneira contribuindo para a amenização temporária da situação. Neste contexto, o beneficiário na labuta pela sua sobrevivência cotidiana ao utilizar o auxílio disponibilizado pelo Estado faz a economia local circular beneficiando os diversos setores sociais.
Evidentemente que esta forma de movimento da economia é uma estratégia paliativa de que dispõe o Estado e os governos como forma de movimentação econômica evitando sua estagnação, o que acentua a crise econômica e social inerente a pandemia.
Neste âmbito, surgem alguns questionamentos e angustias... De que maneira as políticas públicas atuarão frente às expressões da questão social, agora mais escancaradas do que nunca? Qual o suporte que o Estado ofertará frente às novas demandas sociais pós-pandemia? Até quando o modelo econômico keynesianista sobreviverá nesta crise? Será que o Brasil será palco para um debate sobre um novo, igualitário e sustentável modelo de desenvolvimento?
Estas são algumas das questões urgentes e intransferíveis da agenda pública em curso. É preciso debater profundamente o papel do Estado, sua manifestação necropolítica, senão de tendência a eugenia em relação a parte significativa de sua população considerada improdutiva, desnecessária e, portanto, descartável frente a lógica do capital a qual o Estado encontra-se comprometido.
Ou seja, neste contexto, trata-se da sociedade civil questionar: que Estado queremos e necessitamos? Neste debate é preciso ter presente que a legitimidade do Estado provém da comunidade política que conforma a nação e, não dos interesses do capital, da economia financeirizada, dos rentistas.Trata-se, sobretudo, da comunidade local, regional e nacional retomar o protagonismo do debate político na definição dos interesses públicos estratégicos constitutivos de uma proposta de desenvolvimento nacional.
Deise Thais Natsume Carolo - Mestranda no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UnC).
Sandro Luiz Bazzanella – Docente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UnC).